Ricardo Noblat
O artigo nono da lei 1.079 de 10 de abril de 1950,
invocada para tirar Dilma Rousseff do cargo, define os crimes de
responsabilidade que podem levar um presidente a julgamento e à perda do
mandato.
Diz o inciso três do artigo que é crime “não tornar
efetiva a responsabilidade dos seus subordinados, quando manifesta em delitos
funcionais ou na prática de atos contrários à Constituição”.
Diz o inciso sete do mesmo artigo que é crime “proceder
de modo incompatível com a dignidade, a honra e o decoro do cargo”.
Haverá certamente quem encontre em tais disposições
amparo bastante para propor o impeachment do presidente Michel Temer caso reste
provado que ele fez o que o ex-ministro da Cultura Marcelo Calero lhe imputa.
Disse Calero a certa altura do seu depoimento à Polícia
Federal sobre a pressão que sofreu do ministro Geddel Vieira Lima, secretário
do governo, para que o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional
(Iphan) liberasse a construção de um prédio em Salvador onde ele comprara um
apartamento:
"Que na [última] quinta, 17, o depoente foi
convocado pelo presidente Michel Temer a comparecer no Palácio do Planalto; que
nesta reunião o presidente disse ao depoente que a decisão do Iphan havia
criado 'dificuldades operacionais' em seu gabinete, posto que o ministro Geddel
encontrava-se bastante irritado; que então o presidente disse ao depoente para
que construísse uma saída para que o processo fosse encaminhado à AGU
[Advocacia-Geral da União], porque a ministra Grace Mendonça teria uma
solução";
"Que, no final da conversa, o presidente disse ao
depoente 'que a política tinha dessas coisas, esse tipo de pressão'”.
A revista VEJA publicou, ontem à noite, em seu site, que
Calero entregou à Polícia Federal gravações de conversas que teve com Temer,
mas também com Geddel e o ministro Eliseu Padilha, da Casa Civil. E que elas
provariam tudo o que ele afirmou no depoimento.
O governo obteve a confirmação da existência dos áudios.
“As gravações não são de boa qualidade, porque foram feitas com um aparelho que
aparentemente estava no bolso do Calero”, informou à VEJA um ministro com
gabinete no Palácio do Planalto.
O episódio que pôs Calero em rota de colisão com Geddel,
e que o levou a pedir demissão, foi promovido à condição de uma robusta crise
política por envolver agora o presidente da República e alguns dos seus mais
prestigiados auxiliares.
Nunca antes na história do país um presidente teve
conversas gravadas por um dos seus ministros. Nunca antes um ministro foi à
polícia e relatou as causas de sua saída do governo. A polícia agiu as pedido
da Procuradoria Geral da República, que pensava em abrir inquérito para
investigar Geddel.
Pensará em fazer o mesmo com Temer depois do que contou
Calero, o mais novo homem-bomba da República?
A oposição ao governo lambe os beiços diante do que lhe
foi servido de graça. O governo balança como uma vara fina sujeita a ventos
fortes. O estado delicado da economia não passará ileso pela mais nova crise
política que tem um único pai: Temer com suas fraquezas.
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