As convicções religiosas se impuseram ao direito das
mulheres de decidir sobre seu próprio corpo na Argentina, o país do papa
Francisco. O Senado argentino rejeitou, por 38 votos a 31 e já entrada a
quinta-feira, o projeto de legalização do aborto até a 14ª semana de gravidez,
que havia sido aprovado na Câmara dos Deputados em junho. A interrupção da
gravidez continua a ser um crime punido com até quatro anos de prisão, apesar
do fato de que a cada minuto e meio uma mulher aborta no país.
A Argentina do século XXI e integrada ao mundo anunciada
por Mauricio Macri continuará com uma dívida histórica para com as mulheres: o
aborto legal. O presidente argentino autorizou pela primeira vez o debate
parlamentar sobre a interrupção voluntária da gravidez, mas a coalizão que
lidera, Cambiemos, foi a que deu mais votos contra a iniciativa. O resultado
negativo emudeceu as dezenas de milhares de pessoas que enfrentaram a
intempérie debaixo de guarda-chuvas e plásticos verdes, a cor que identifica os
partidários da legalização, e foi aplaudido no lado azul-celeste da praça, onde
os detratores do projeto estavam concentrados. Foi um balde de água fria não só
para o movimento feminista argentino, mas também dos países vizinhos, que viram
na movimentação no sul do continente uma esperança de levantar o debate em
outras partes.
A vitória na Câmara dos Deputados, mas especialmente a
mobilização maciça que acompanhou o Sim em 14 de junho, fizeram pensar no
primeiro momento que a maré verde venceria também no Senado, uma assembleia
muito mais conservadora, onde estão representados os interesses das províncias
do interior do país. Mas com o passar das semanas, a pressão da Igreja Católica
e dos evangélicos ganhou terreno até decidir a votação. Em seus discursos antes
de definir o voto, muitos senadores se protegeram atrás de suas crenças
religiosas e da necessidade de salvar ambas as vidas –a da mãe e a do feto–
para justificar seu voto contra.
O debate começou de manhã cedo, em uma tentativa de evitar
que as discussões se prolongassem além da meia-noite. Apesar do clima quente
nas ruas, o tom dentro do plenário foi comedido, fiel ao protocolo do Senado.
“Um aborto não será menos trágico porque é feito em uma sala de cirurgia. Não,
será igualmente trágico. O objetivo é que não haja mais abortos na Argentina,
isso é aspirar a mais”, disse o senador Esteban Bullrich, ex-ministro da
Educação de Mauricio Macri, católico fervoroso e defensor do Não à lei. Sua
apresentação resumiu a posição dos grupos antiaborto: o embrião tem direitos
constitucionais a partir do momento da concepção, e embora o aborto seja um
fato, não poderá ser reduzido com uma lei que o regulamente. (EL PAÍS)
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