Quando a Constituição de um país determina que não pode
haver desigualdade e que nenhum cidadão deve levar uma vida indigna, é muito
provável que já exista gente demais nessas condições. No Brasil de hoje, uma em
cada vinte pessoas termina o dia sem ter conseguido comer o mínimo necessário.
Vão dormir com fome e acordar sem qualquer esperança de uma refeição
satisfatória. Esse cenário assustador devolve o Brasil ao Mapa da Fome,
elaborado desde 1990 pela FAO, a Organização das Nações Unidas para Agricultura
e Alimentação. A entidade faz análises por países e regiões, propondo soluções
ao problema da insegurança alimentar. Desde 2014, o Brasil estava fora desse
mapa. A fome foi vencida com muito esforço, graças a uma combinação de
programas sociais e de uma economia em forte expansão. O resultado permitiu que
menos de 5% da população ficasse abaixo da linha da extrema miséria. Dados
recentes divulgados pelas ONGs ActionAid Brasil e Ibase (Instituto Brasileiro
de Análises Sociais e Econômicas), a partir de índices do IBGE (Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística), indicam que a fome voltou a crescer,
atingindo 11,7 milhões de brasileiros, o que perfaz 5,6% da população.
Para entender onde o Brasil fracassou após tantos avanços e
o que deve ser feito daqui para frente é preciso colocar os olhos sobre a
recessão econômica que se arrasta desde 2014 e os subsequentes cortes nos
programas sociais do governo em decorrência da Emenda do Teto de Gastos, que
congelou o orçamento público por 20 anos. Analistas das áreas de saúde pública
e de assistência social alertam que só um grande conjunto de medidas
integradoras pode amenizar o quadro até a economia recomeçar a andar direito.
Mesmo depois da retomada, seria preciso continuar, já que a desigualdade não se
resolveria sem políticas públicas consistentes e de longo prazo.
“Uma economia voltada para o rentismo não resolverá”,
afirma a antropóloga Maria Emília Pacheco, integrante da Federação de Órgãos
para Assistência Social e Educacional (Fase) e ex-presidente do Conselho
Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea). Segundo dados do
Governo Federal, o Bolsa Família beneficia hoje 13,7 milhões de famílias, em
todos os municípios brasileiros. Mas, além do auxílio direto, que este ano foi
reajustado acima da inflação acumulada de julho de 2016 a março de 2018, houve
enfraquecimento de iniciativas como o Programa Merenda Escolar e o Programa de
Aquisição de Alimentos (PAA), voltados para pequenos produtores rurais de
municípios do interior do Brasil. Os cortes afetam diretamente a renda dessas
famílias. O PAA encolheu de R$ 839 milhões em 2012 para R$ 150 milhões em 2017.
Como resultado, sobra alimento que ninguém compra. Um efeito disso foi sentido
durante a Greve dos Caminhoneiros, em maio, com a elevação de preços dos
alimentos mesmo em municípios de produção agrícola voltada ao consumo direto.
Além desses prejuízos, a preocupação de Maria Emília é que essa discussão não
entrou de vez na agenda dos presidenciáveis. (Isto é)
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