Blog do Sakamoto/Uol
Bolsonaro foi eleito empunhando várias bandeiras, mas sem
um projeto claro de país. Esse vazio se reflete na bateção de cabeça de membros
de seu governo, que tentam planejar o que fazer agora que chegaram ao poder.
Não é apenas confusão comum de início de mandato ou incompetência
comunicacional. O que estamos vendo é uma gravidez ectópica, que acontece fora
do útero, gestando alguma coisa – que, para o bem dos brasileiros, espero que
não nos devore ao final.
Sua campanha eleitoral apresentou uma antiproposta,
prometendo que ia mudar tudo que está aí, tá ok? O candidato que se vendeu como
antissistema preferiu apresentar-se como a pedra sobre a qual seria refundado o
Brasil, pondo um fim ao ciclo da Nova República (R.I.P. 1985-2018), do que
mostrar como faria isso. Questionado sobre o que defendia para a Reforma da
Previdência ou para a Reforma Tributária, pedia para Paulo Guedes falar ou
mandava ele se calar, de acordo com a conveniência.
Em outubro, afirmou que o objetivo de seu governo seria
fazer "o Brasil semelhante àquele que tínhamos há 40, 50 anos atrás".
Dizer que vai construir um Brasil conservador em costumes e liberal na economia
é vago.O que isso significa e qual o mapa que ele usará para chegar até lá? O
discurso de que o sistema deve passar por um reset e recomeçar do zero não
demonstra apenas deficiência de aprendizagem de História combinada com o uso
acrítico de WhatsApp, mas é uma auto-sabotagem.
Na prática, isso significa exonerar servidores públicos de
funções essenciais ou criar crises artificiais em atividades fundamentais só
para depois perceber a besteira e pedir para que esses funcionários voltem
(como foi no caso da pretensa "despetização" da Casa Civil) ou ir
atrás dos médicos cubanos que ficaram pelo país a fim de se candidatarem às
vagas que – veja que surpresa – não foram preenchidas por brasileiros no
programa Mais Médicos, criticado pelo presidente.
Qual a visão do governo para a Reforma da Previdência?
Enquanto a Casa de Guedes é a favor de uma proposta mais dura, mas que alivie
as contas do governo, a Casa de Onyx quer uma proposta mais suave – mais
factível de ser aprovada no Congresso Nacional. A esquizofrenia declaratória do
presidente e de sua equipe quanto à idade mínima para aposentadoria é exemplo
desse embate.
Qual a visão para a política externa brasileira? Os
fanáticos da Fé dos Sete – desculpem, estou na expectativa da última temporada
de Game os Thrones – defendem uma aliança cega com Donald Trump (incluindo
convites para a instalação de bases militares), a mudança da embaixada de Tel
Aviv para Jerusalém (colocando o Brasil no mapa do terrorismo para atender a
uma visão messiânica) e veem comunistas brotando do chão. Já a Casa de Guedes e
a Casa de Heleno evitam o fundamentalismo religioso, sabendo que a vida real
não é um tabuleiro de War em que destrói-se os Exércitos Vermelhos. Pelo
contrário, comercializa-se com eles.
Montar um governo não é apenas chamar jogadores e dizer que
o objetivo deles é ganhar o campeonato. Imaginou-se que Bolsonaro gastaria os
últimos dois meses de transição organizando como seu time jogaria, com a
posição e a responsabilidade de cada um, alertando para sobreposições, falhas
de marcação e buracos no campo. E que ele chamaria para si as broncas e a
estratégia e garantiria que houvesse uma boa comunicação interna da equipe e
que o time falasse aos telespectadores quando tivessem consenso sobre algo.
"O desconhecimento meu [de economia], como o dos
senhores em muitas áreas, e a aceitação disso é um sinal de humildade. Tenho
certeza, sem qualquer demérito, que eu conheço um pouco mais de política que
Paulo Guedes, e ele conhece muito mais de economia do que eu", afirmou o
presidente nesta segunda (7).
Seria bom que ele entendesse de administração econômica,
mas não é disso que está sendo cobrado, mas de ser capaz de organizar os
diferentes grupos que fazem parte de sua gestão visando o cumprimento de um
programa – seja ele qual for. Se ele não garantir isso e o governo virar um
saco de gatos, não me admiraria que começassem a vazar para a imprensa
histórias comprometedoras envolvendo seus líderes por parte daqueles que, à luz
do sol, chamam de aliados.
Ao mesmo tempo, entender sua visão de país para 2022 para
além do banimento do Kit Gay, da Mamadeira de Piroca, da Mulher de Branco, do
Saci Pererê e do Boto seria útil para o trabalho de sua própria equipe.
Parte dos eleitores só votaram nele por desilusão. Foi uma
aposta. E esse tipo de eleitor pode perder a paciência logo, especialmente a
nova classe C, a periferia urbana, se o emprego não aparecer. Afinal, se for
para assistir a um reality show, eles podem ligar a TV, não precisam de
governo.
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