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segunda-feira, 7 de janeiro de 2019

Pessoas com deficiência esperam políticas públicas que possibilitem a real inclusão


Por Margarida Azevedo

Mais que palavras, eles querem ações. As 45,6 milhões de pessoas com deficiência no Brasil – representam 23,9% da população, segundo o Censo 2010 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) – necessitam de políticas públicas que possibilitem a real inclusão e façam valer as leis que as beneficiam. O discurso na língua brasileira de sinais (libras) da primeira-dama Michelle Bolsonaro, no último dia 1º, durante a posse do seu marido Jair Bolsonaro como presidente da República, em Brasília, deu visibilidade aos surdos. Mas o desejo de brasileiros que convivem com alguma deficiência é que no governo federal o discurso se transforme em prática.

“Foi muito bom pra comunidade surda o discurso de Michele Bolsonaro ser em libras. Nos trouxe uma grande emoção. Mas não é ela que vai mandar no País. Precisamos acompanhar o governo, observar como será daqui pra frente”, observa o professor René Ribeiro Hutzler, 41 anos, que conversou com a reportagem do JC com a ajuda da intérprete Simone Lira, da Faculdade Alpha, na área central do Recife.

Ex-presidente da Associação de Surdos de Pernambuco (a entidade está com o cargo vago), René Hutzler enumera os desafios para quem não ouve. “A comunicação é nossa principal barreira. Para ser atendido num hospital, para explicar a um médico o que sentimos, para comprar numa loja, tudo é difícil”, conta o professor, que nasceu surdo, mas a deficiência só foi diagnosticada quando ele tinha 2 anos.

Pernambuco tem 27,58% da população com algum tipo de deficiência, o que representa 2,4 milhões de pessoas. Dessas, a Frente Parlamentar da Pessoa com Deficiência da Assembleia Legislativa do Estado estima que 325 mil sejam surdas. “A política pública para pessoa deficiente tem que ser permanente, mas sabemos que depende muito do gestor. E deve ser para todos, independentemente da deficiência”, ressalta o superintendente estadual da pessoa com deficiência, Edmílson Silva, que é cadeirante.

O coordenador do Centro de Apoio aos Surdos, unidade mantida pelo governo estadual no bairro de Casa Amarela, Zona Norte do Recife, Marcelo Manoel da Silva, defende a implantação de escolas bilíngues (quando é priorizada a libras como língua primária e o português escrito como língua secundária).

“O que existe atualmente são turmas bilíngues”, diz Marcelo Manoel, também auxiliado por um intérprete. Na capital, a prefeitura atende 73 alunos com deficiência auditiva. Existem oito escolas municipais com turmas bilíngues e em 2019 serão nove. Na mesma sala há estudantes ouvintes e surdos. Nas escolas estaduais há 972 alunos surdos.

“A Lei Brasileira de Inclusão tem que ser cumprida. Necessitamos de práticas concretas. O Rio de Janeiro sedia o Instituto Nacional de Surdos do Brasil. Bolsonaro foi deputado por 28 anos lá e não tenho conhecimento de apoio dele lá para o instituto. Tenho dúvida se o discurso da primeira-dama em libras não foi só marketing”, observa Marcelo Manoel. O centro que ele coordena tem unidades semelhantes em Limoeiro, Caruaru, Garanhuns e Arcoverde. Nesses locais são ofertados gratuitamente cursos de libras para surdos e para o público em geral.

POLÊMICA

No Ministério da Educação (MEC) foi extinta a Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão (Secadi), que tratava da educação inclusiva. No lugar dela foram criadas duas novas secretarias: de Alfabetização e de Modalidades Especializadas. Segundo o MEC, “as competências da Secadi não foram extintas. E houve uma atenção especial para a comunidade surda, com a criação, na Secretaria de Modalidades Especializadas, da Diretoria de Políticas de Educação Bilíngue de Surdos”, assegura o órgão.

“Essa mudança causou uma certa confusão, mas acho cedo para avaliar se foi boa ou ruim. Vamos acompanhar”, diz o arquiteto Marcelo Pedrosa, 39 anos, ativista da comunidade surda. Ele criou a campanha Legenda para quem não ouve, mas se emociona. “É importante fiscalizar as leis que já existem, como a que garante a acessibilidade comunicacional. Nem todo filme tem legenda. Temos direito ao lazer”, destaca Marcelo Pedrosa, surdo desde os 2 anos. Com o uso de aparelhos auditivos, ele consegue falar sem precisar da libras.

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