A major Claudia Nunes entrou na polícia militar do Rio de
Janeiro no fim da década de 90. Antes disso, estudou Ciências Sociais pela
Universidade Estadual do Rio de Janeiro.
Na família dela, não há avós ou pais policiais, como é
comum aos colegas sob a farda azul da corporação. Cláudia é filha de um
pedreiro com uma diarista. Inscreveu-se no vestibular para a academia de
polícia para ter estabilidade financeira e se apaixonou pela profissão. Ela
lembra quem se formou ao lado dela: de 122 cadetes, só 17 eram mulheres.
A precisão numérica também está nos dados de violência
doméstica e familiar com que a major trabalha diariamente. Hoje mestra em
Ciências Sociais, já foi coordenadora no Instituto de Segurança Pública
fluminense e uma das organizadoras do Dossiê Mulher, que transforma esses dados
em uma realidade palpável e sangrenta.
No ano passado, o relatório mostrou que 75% das tentativas
de feminicídio e 57% das mulheres assassinadas no Rio de Janeiro foram vítimas
de atuais ou ex-parceiros.
E não há lugar seguro para elas: 52% desses feminicídios
aconteceram em casa, e 47,2% por uso de arma de fogo.
Aumento da posse pode aumentar número de mortes em casa
Às preocupações da major foi adicionada a flexibilização na
posse de arma de fogo, decretada pelo presidente Jair Bolsonaro em janeiro.
"Qualquer situação que facilite o acesso das pessoas à
arma -- que vai estar no mesmo ambiente da vítima e do autor -- aumenta a
probabilidade do objeto ser usado para o feminicídio. Mas isso ainda é uma
hipótese", avalia.
"Aí vão dizer que a arma não dispara sozinha. Claro,
mas quando os problemas aumentam, pode haver uma busca pela arma. No caso do
feminicídio, o saldo é sempre o pior possível: a mulher morta, o homem preso ou
suicida e as crianças órfãs."
Com o dossiê, por exemplo, ela ajudou a descobrir que a
violência doméstica atinge em cheio as mulheres mais vulneráveis. "As
mulheres pretas são alvo das agressões mais graves. A taxa de negras vítimas de
feminicídio é o dobro das brancas", explica.
Ter acesso à imensidão de números de mortes, segundo
Claudia, costuma causar duas reações: desgaste emocional ou uma espécie de
calejamento, daqueles que criamos para resistir ao sofrimento. A major prefere
uma terceira via: ajudar essas pessoas com os dossiês.
Dentro de cada registro há hematomas, dores e o peso de
pessoas e famílias destruídas. Não posso naturalizar isso. (Da Universa)
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