“Temos em cárcere um cara que furtou um Motorola e o estado
está pagando uma mensalidade equivalente a um Iphone para mantê-lo na prisão”,
destacou o juiz Luis Carlos Valois no 1º CNAC - Congresso Nacional da Advocacia
Criminal, realizado esta quinta (23) e sexta (24), na Universidade Católica de
Pernambuco, que conclui em consenso geral que o Pacote Anticrime só servirá
para encher ainda mais as prisões brasileiras. “Quando a pessoa é pega em
flagrante na rua, ela é presa. E, em nosso sistema atual, quanto mais negro e
pobre, maior será essa condição, pois ele é a maioria em nossa sociedade. E
isso é uma das falhas da proposição que só irá aumentar esse cenário que já
temos no Brasil”, completou.
De fato, a questão do processo de criminalização da
sociedade irá penalizar uma margem da sociedade é uma das problemáticas que
preocupam juízes, defensores, delegados, advogados e professores de todo o país
que se reuniram na instituição de ensino superior no Recife, com mais de 350
advogados e estudantes do Direito para discutir o Pacote Anticrime, projeto
proposto pelo Ministro da Justiça Sérgio Moro. “O pacote é um projeto de
solução extremamente imediatista, para um quadro de criminalidade que o Brasil
enfrenta”, comentou a professora de Direito Processual Renata Dayanne. Para a docente
e acadêmica, este é um projeto de lei e não um direito posto que irá
provavelmente marcar uma onda de resistência no Congresso Nacional ao
presidente, se for aprovado. “Será instaurado um quadro de resistência porque
nós estamos vivendo uma era de estado de exceção, sem bandeiras, na qual dará
determinadas liberdades a alguns pautados em premissas como o direito de matar
como defesa e, por outro lado, cerceará os direitos de muitos outros, que são
princípios fundamentais da Constituição.
“O projeto irá retirar uma serie de garantias que todos nós
temos com base na Constituição. Se isso não acontecer hoje, poderá ocorrer
talvez amanhã. Por isso, temos que analisar de forma ampla os precedentes que
ele abre”, destacou Dayanne. E esta avaliação foi uma marca na fala de todos os
participantes do evento na qual dados importantes foram apresentados, que
mostram que já temos um sistema penal brasileiro inchado e engessado com quase
700 mil pessoas condenadas, além de outros 500 mil mandatos de prisão em aberto
para 2.614 unidades carcerárias que detém apenas 419 mil. O que corrobora a
discussão sobre a função desse Pacote Anticrime para a sociedade brasileira
atual. “Ele vem para suprimir o medo da sociedade que cresceu pelas distorções
econômicas e sociais da população brasileira, que ainda distingue as pessoas
pela forma como se vestem, se apresentam e por quem são naquela comunidade”,
enfatizou a juíza Ana Carolina Santana, que tem atuado na comarca de Betânia e
Flores, em Pernambuco.
Magistrada legalista, professora universitária e componente
da Associados dos Juízes pela Democracia, ela ainda ressaltou que o único
motivo desta proposição existir é o fato de que ninguém foi consultado. Desta
forma, acredita que o Pacote Anticrime é uma pauta que não trará uma solução
plausível à sociedade, uma proposta de um político que não se baseia em dados
estatísticos. “A proposição é uma afronta à academia e ao processo judicial e,
por isso, a própria magistratura se movimenta e o Ministério Público também se
movimenta em relação ao projeto anticrime”, completou. E essa questão do
levantamento adequado de dados, realização da perícia e análise correta das
provas e fontes para o encarceramento de réus foi um dos pontos levantados no
congresso.
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