Centro do controle motor do corpo, o cérebro é o órgão que
se associa ao Parkinson, uma enfermidade neurodegenerativa que provoca, entre
outros sintomas, tremores, desorientação e rigidez muscular. Porém, um artigo
publicado na revista Neuron reforça uma teoria levantada ainda em 2003, mas só
agora demonstrada em modelo animal: a de que as alterações patológicas que
caracterizam a doença começam, na realidade, no trato gastrointestinal. Segundo
os cientistas que participaram da pesquisa, a constatação poderá “revolucionar”
o estudo sobre um mal para o qual não há cura nem tratamento totalmente eficaz.
O fio condutor da proteína que, modificada, destrói os
neurônios e provoca os sintomas típicos da doença é o nervo vagal, o maior do
crânio, que começa no bulbo raquidiano, passa por pescoço, tórax e se ramifica
até o intestino. Há 16 anos, o neuroanatomista alemão Heiko Braak demonstrou
que os pacientes de Parkinson acumulavam a substância alfa-sinucleína
danificada em regiões do sistema nervoso central responsáveis pelo controle
visceral. O agrupamento dessa proteína é uma das principais características da
doença. Quando alterada, ela forma placas que vão destruindo as células
cerebrais.
“Isso é consistente com alguns dos primeiros sintomas da
doença de Parkinson, que incluem constipação”, diz Hanseok Ko, professor de
neurologia na Universidade de Johns Hokpins e um dos autores do estudo
publicado agora na Neuron. “Em 2003, Braak hipotetizou que a doença avançava
até os nervos, conectando os intestinos e o cérebro, como se fosse subindo uma
escada”, compara.
O neurologista finlandês Filip Scheperjans, editor-chefe da
revista científica Journal of Parkinson’s Disease, complementa: “Múltiplos
estudos, em diversas populações, mostraram alterações na microbiota intestinal
nos pacientes de Parkinson. É crucial determinar os mecanismos que conectam a
microbiota e a doença em estudos maiores e modelos animais”, opina o médico,
que não participou da pesquisa publicada agora.
Foi o que fez a equipe de Johns Hopkins, que investigou
essa associação em camundongos. Em laboratório, os cientistas injetaram
proteína alfa-sinucleína defeituosa, tal como a que caracteriza o mal de
Parkinson, em músculos intestinais dos roedores, densamente inervados pelo
nervo vago. Como inseriram uma grande quantidade da substância, ela se
acumulou, mimetizando o que ocorre nos pacientes da doença.
O que se viu foi consistente com a teoria de Heiko Braak.
Ao fim de um mês, já havia danos cerebrais no núcleo dorsal motor do nervo
vago. Dentro de três meses, a proteína danificada estava espalhada pelo tronco
e chegou a atingir regiões importantes do órgão, como amígdala, hipotálamo e
córtex pré-frontal. Sete meses depois, boa parte do cérebro estava tomada pela
alfa-sinucleína patológica. “A essa altura, havia também perda significativa de
neurônios produtores de dopamina no sistema nervoso central e no striatum”,
relata Ted Dawson, pesquisador de Johns Hopkins e também autor do estudo.
A falta desse neurotransmissor, ocasionada pela perda das
células que o fabricam, associa-se a sintomas como depressão, ansiedade,
disfunção olfativa e deficits que afetam a memória e o aprendizado espacial,
entre outros. Testes cognitivos e comportamentais com os animais comprovaram
que todas essas funções foram afetadas, diz Dawson.
Corte
Para confirmar as descobertas, os pesquisadores injetaram a
mesma quantidade de alfa-sinucleína deficiente em outro grupo de roedores.
Dessa vez, contudo, cortaram o nervo vago, impedindo a ligação do trato
gastrointestinal com o cérebro. Os animais exibiam acúmulo da proteína nas
vísceras, mas o exame dos tecidos cerebrais mostrou que, mesmo 10 meses depois,
a substância não havia atingido nenhuma região cerebral, comprovando que o
nervo é necessário para fazer o transporte das placas. Por Correio Braziliense
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