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terça-feira, 14 de janeiro de 2020

Governo Bolsonaro esbofeteia o eleitorado pobre

Lucas Borges Teixeira/UOL

Imagem: Lucas Borges Teixeira/UOL

Josias de Souza
Colunista do UOL

Em pleno ano eleitoral, o governo de Jair Bolsonaro resolveu esbofetear o pedaço mais pobre do eleitorado. Nos guichês do INSS, impõe a desumanidade da espera a pessoas que pediram auxílio doença, licença maternidade ou aposentadoria. No cálculo do salário mínimo, hesita em conceder a pessoas já condenadas ao fim do mês perpétuo a correção da inflação.

Um sociólogo diria que a administração do capitão pratica demofobia suicida. Um observador de linguajar menos rebuscado chamaria a aversão ao povo pelo nome próprio: burrice. Às vezes a maldade demora a ser percebida. Mas quando se manifesta tão agressivamente a percepção é instantânea.

A reforma da Previdência tramitou durante oito meses no Congresso. Aprovadas em outubro, as mudanças começaram a vigorar em novembro. Desde então, a fila dos pedidos de benefícios do INSS parou de andar. Há quase 2 milhões de processos pendentes de análise. Produziu-se um cenário ideal para a criação de uma repartição pública inteiramente nova. Caos não falta.

O salário mínimo foi elevado em dezembro para 3,86%. Passou a valer R$ 1.039. Na última sexta-feira, o IBGE informou que a inflação de 2019 fechou em 4,48%. O mínimo correto seria de R$ 1.045. Diferença mixuruca: R$ 6. Repetindo: para não perder da inflação, o mínimo teria de ser engordado em seis míseros reais. O que produziria uma despesa extra para o Tesouro de R$ 1,9 bilhão em 2020. Por ora, nada.

Após reunir-se com o ministro Paulo Guedes (Economia), o secretário de Previdência Rogério Marinho prometeu para esta quarta-feira (15) uma solução para a fila do INSS. Estimou que o governo terá de desembolsar R$ 9,7 bilhões para zerar a fila.
Marinho soou lacônico ao ser inquirido sobre o prazos: "Tudo envolve orçamento, estrutura organizacional. Então, a gente precisa ter essa responsabilidade de conversar internamente e buscar o respaldo técnico e jurídico". Caberia indagar: por que só agora? Não foi por falta de aviso.

Há cinco meses, as procuradoras da República Eliana Pires Rocha e Anna Paula Coutinho de Barcellos, lotadas em Brasília, pediram à Justiça que obrigasse o INSS a recompor os seus quadros, esvaziados pela aposentadoria de cerca de 6 mil servidores.

"A não reposição" da mão de obra, anotaram as procuradoras, "constitui um obstáculo à população formada basicamente por cidadãs e cidadãos hipossuficientes e socialmente vulneráveis que, por tais condições, dependem dos recursos da Previdência para a satisfação de suas necessidades mínimas". O INSS deu de ombros.

Conhecido pelo hábito de falar dez vezes antes de pensar, Jair Bolsonaro acompanha em silêncio a distribuição de bofetadas em pobres. Ainda não se deu conta de que nenhum silêncio é mais denso e opressivo do que o silêncio que soa como descaso.

De volta do repouso no litoral paulista, o capitão deveria sair em socorro do seu governo, nesta terça-feira, numa daquelas entrevistas de porta de palácio. Do contrário, logo descobrirá que, se um governo deixa de fazer o que precisa ser feito, as consequências só são integralmente percebidas quando outros tomam a iniciativa.

No caso do descalabro do INSS, o governo pode ser abalroado por uma ordem judicial para que a fila ande. No episódio do salário mínimo, o Congresso enxergará na eventual omissão do governo uma oportunidade a ser aproveitada na volta do recesso parlamentar, em fevereiro. Nas duas hipóteses, ou o governo age ou terá de fazer por pressão o que deixa de fazer por opção. Ou desorientação.

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