Responsável por indicar Pedro Parente para executar o
desmonte da Petrobras, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso afirma que o
governo de Michel Temer acabou.
"Dificilmente o governo atual, dada a sua origem e o
encrespamento político havido, conseguirá pouco mais do que colocar
esparadrapos nas feridas. Nada de significativo será alcançado sem que uma
liderança embasada no voto e crente na democracia seja capaz de dar resposta
aos atuais desafios econômicos e morais", diz FHC em artigo neste domingo,
3, no jornal O Estado de S. Paulo.
Traduzindo, o tucano reconhece que Temer é ilegítimo e
resultado de um golpe. Ou como diz ele, de um "impeachment baseado em
arranhões de normas constitucionais".
Decifra-me ou te devoro
A semana que acabou ontem foi plena de tensão, demonstrando
a quem não percebera antes a profundidade das dissensões que vêm de há muito
tempo
A semana que acabou ontem foi plena de tensão, demonstrando
a quem não percebera antes a profundidade das dissensões que vêm de há muito
tempo. As incongruências da política econômica dos governos de Lula e Dilma, em
sua fase final, já haviam levado a economia à paralisação e o sistema político
a deixar de processar decisões. Daí o impeachment do último governo, ainda que
baseado em arranhões de normas constitucionais.
Todo impeachment é traumático. Fui ministro de um governo
que resultou de um impeachment, o do presidente Itamar Franco. Este, com
sabedoria, percebeu logo que precisaria de um Ministério representativo do
conjunto das forças políticas. Como o PT, que apoiara o impeachment do
presidente Collor, se recusava a assumir responsabilidades de governo (com olho
eleitoral), Itamar conseguiu a aceitação de uma pasta por Luiza Erundina, então
no PT. Mesmo eu, eleito presidente por maioria absoluta no primeiro turno sem
precisar buscar o apoio do PT, tive como um de meus ministros um
ex-secretário-geral do PT.
De lá para cá os tempos mudaram. A possibilidade de algum
tipo de convivência democrática, facilitada pela estabilização econômica graças
ao Plano Real, que tornou a população menos antigoverno quando viu em marcha
uma política econômica que beneficiaria a todos, foi substituída por um estilo
de política baseado no "nós", os supostamente bons, e
"eles", os maus. Isso somado ao descalabro das contas públicas
herdado pelo governo atual, mais o desemprego facilitado pela desordem
financeira governamental, levou a uma exacerbação das demandas e à
desmoralização dos partidos. A Lava Jato, ao desnudar as bases apodrecidas do
financiamento partidário pelo uso da máquina estatal em conivência com empresas
para extrair dinheiro público em obras sobrefaturadas (além do enriquecimento
pessoal), desconectou a sociedade das instituições políticas e desnudou a
degenerescência em que o País vivia.
A dita "greve" dos caminhoneiros veio servir uma
vez mais para ignição de algo que estava já com gasolina derramada: produziu um
contágio com a sociedade, que, sem saber bem das causas e da razoabilidade ou
não do protesto, aderiu, caladamente, à paralisação ocorrida. Só quando seus
efeitos no abastecimento de combustíveis e de bens essenciais ao consumo e
mesmo à vida, no caso dos hospitais, se tornaram patentes houve a aceitação,
também tácita, da necessidade de uma ação mais enérgica para retomar a normalidade.
Mas que ninguém se engane: é uma normalidade aparente. As
causas da insatisfação continuam, tanto as econômicas como as políticas, que
levam na melhor das hipóteses à abstenção eleitoral e ao repúdio de "tudo
o que aí está". Portanto, o governo e as elites políticas, de esquerda, do
centro ou da direita, que se cuidem, a crise é profunda. Assim como o governo
Itamar buscou sinais de coesão política e deu resposta aos desafios econômicos
do período, urge agora algo semelhante.
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