Bernardo Mello Franco - O Globo
Em fevereiro, diplomatas de 35 países e territórios da
América Latina e do Caribe desembarcaram em Brasília. O grupo se reuniu no
Itamaraty para discutir respostas à crise global de refugiados. O encontro ajudou
a articular o Pacto Global sobre Migração, apresentado nesta segunda-feira no
Marrocos.
O ministro Aloysio Nunes Ferreira foi a Marrakech e
discursou em defesa do documento. Instantes depois, seu sucessor usou as redes
sociais para desautorizá-lo. Ele anunciou que o novo governo “se desassociará”
do pacto. Em três tuítes, desmontou ao menos dez meses de trabalho da
diplomacia brasileira.
O futuro ministro Ernesto Araújo alegou que a imigração, um
problema que desafia países em todo o mundo, “não deve ser tratada como questão
global”. O argumento se alinha às teorias de que a Terra é plana e de que o
homem não foi à Lua. São teses em voga no submundo da internet, de onde parecem
sair as novas diretrizes da política externa.
O pacto foi assinado por cerca de 160 países. Ao
abandoná-lo, o Brasil se juntará a um pequeno grupo liderado por Donald Trump.
A lista inclui Polônia, Hungria, e Áustria, nações governadas por populistas de
extrema-direita. Na América do Sul, só o Chile escolheu seguir o mesmo caminho.
O anúncio de Araújo reforça os sinais de que o Brasil
embarcará numa relação de vassalagem com Washington. Isso já ficou claro quando
o presidente eleito atacou a China, ameaçou sair do Acordo de Paris e prometeu
transferir a embaixada em Israel para Jerusalém. Os três gestos criaram atritos
com países amigos e arriscam prejudicar as exportações brasileiras.
No caso da migração, a opção pelo isolamento tem um
problema adicional. Hoje há cerca de um milhão de estrangeiros vivendo no país
e pelo menos o triplo de brasileiros no exterior.
O pacto estabelece políticas que poderão proteger esses
três milhões de brasileiros — um grupo mais numeroso do que a população do
Distrito Federal. E, ao contrário do que sugeriu o futuro chanceler, o
documento não representa riscos à soberania nacional.
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