Imagem: Lucas Borges Teixeira/UOL
Josias de Souza
Colunista do UOL
Em pleno ano eleitoral, o governo de Jair Bolsonaro
resolveu esbofetear o pedaço mais pobre do eleitorado. Nos guichês do INSS,
impõe a desumanidade da espera a pessoas que pediram auxílio doença, licença
maternidade ou aposentadoria. No cálculo do salário mínimo, hesita em conceder
a pessoas já condenadas ao fim do mês perpétuo a correção da inflação.
Um sociólogo diria que a administração do capitão pratica
demofobia suicida. Um observador de linguajar menos rebuscado chamaria a
aversão ao povo pelo nome próprio: burrice. Às vezes a maldade demora a ser
percebida. Mas quando se manifesta tão agressivamente a percepção é
instantânea.
A reforma da Previdência tramitou durante oito meses no
Congresso. Aprovadas em outubro, as mudanças começaram a vigorar em novembro.
Desde então, a fila dos pedidos de benefícios do INSS parou de andar. Há quase
2 milhões de processos pendentes de análise. Produziu-se um cenário ideal para
a criação de uma repartição pública inteiramente nova. Caos não falta.
O salário mínimo foi elevado em dezembro para 3,86%. Passou
a valer R$ 1.039. Na última sexta-feira, o IBGE informou que a inflação de 2019
fechou em 4,48%. O mínimo correto seria de R$ 1.045. Diferença mixuruca: R$ 6.
Repetindo: para não perder da inflação, o mínimo teria de ser engordado em seis
míseros reais. O que produziria uma despesa extra para o Tesouro de R$ 1,9
bilhão em 2020. Por ora, nada.
Após reunir-se com o ministro Paulo Guedes (Economia), o
secretário de Previdência Rogério Marinho prometeu para esta quarta-feira (15)
uma solução para a fila do INSS. Estimou que o governo terá de desembolsar R$
9,7 bilhões para zerar a fila.
Marinho soou lacônico ao ser inquirido sobre o prazos:
"Tudo envolve orçamento, estrutura organizacional. Então, a gente precisa
ter essa responsabilidade de conversar internamente e buscar o respaldo técnico
e jurídico". Caberia indagar: por que só agora? Não foi por falta de
aviso.
Há cinco meses, as procuradoras da República Eliana Pires
Rocha e Anna Paula Coutinho de Barcellos, lotadas em Brasília, pediram à
Justiça que obrigasse o INSS a recompor os seus quadros, esvaziados pela
aposentadoria de cerca de 6 mil servidores.
"A não reposição" da mão de obra, anotaram as
procuradoras, "constitui um obstáculo à população formada basicamente por
cidadãs e cidadãos hipossuficientes e socialmente vulneráveis que, por tais
condições, dependem dos recursos da Previdência para a satisfação de suas
necessidades mínimas". O INSS deu de ombros.
Conhecido pelo hábito de falar dez vezes antes de pensar,
Jair Bolsonaro acompanha em silêncio a distribuição de bofetadas em pobres.
Ainda não se deu conta de que nenhum silêncio é mais denso e opressivo do que o
silêncio que soa como descaso.
De volta do repouso no litoral paulista, o capitão deveria
sair em socorro do seu governo, nesta terça-feira, numa daquelas entrevistas de
porta de palácio. Do contrário, logo descobrirá que, se um governo deixa de
fazer o que precisa ser feito, as consequências só são integralmente percebidas
quando outros tomam a iniciativa.
No caso do descalabro do INSS, o governo pode ser abalroado
por uma ordem judicial para que a fila ande. No episódio do salário mínimo, o
Congresso enxergará na eventual omissão do governo uma oportunidade a ser
aproveitada na volta do recesso parlamentar, em fevereiro. Nas duas hipóteses,
ou o governo age ou terá de fazer por pressão o que deixa de fazer por opção.
Ou desorientação.
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