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segunda-feira, 9 de setembro de 2019

Carnaíba: no Sertão do Pajeú, crianças autistas recebem estímulos através da música


Diário de Pernambuco

Eles chegam devagar, quietos, acompanhados pelos pais e vão se deparando com os instrumentos musicais dispostos na ampla sala da Escola de Música Maestro Israel Gomes, em Carnaíba, a 417 quilômetros do Recife. Maria Victória Rodrigues de Medeiros, de quatro anos, vai até à bateria, pega as baquetas e começa a emitir som bem alto. Daqui a pouco, o pequeno Ismael Alves dos Santos, de cinco anos, e Pedro Henrique Clemente da Silva, de sete, também começam a mexer nos instrumentos. Mais reservado, José Ednael Laurentino de Moraes, de nove anos, fica sentado num canto do palco, absorto no seu próprio mundo. Por último chega José Ícaro da Silva Tavares, de seis anos, portando uma pequena sanfona. Pacientemente, o professor de bateria e percussão Francisco Pereira de Carvalho, 38, o Sivuca, vai orientando cada um dos alunos autistas que passou a ter desde as últimas férias escolares de julho. “É uma alegria trabalhar com essas crianças. Sinto-me gratificado em poder ajudá-los. A gente percebe o quanto a música é importante para eles”, analisa Francisco Carvalho.

Existem 20 autistas frequentando a rede escolar municipal de ensino de Carnaíba. Desses, cinco estão matriculados no Complexo Educacional Governador Miguel Arraes, uma das escolas de referência do município. O projeto de inserir a música no cotidiano deles surgiu como necessidade de mantê-los com uma atividade nas férias escolares. E deu certo. “A música tem sido fundamental no desenvolvimento de cada um. Estimula os sentidos, a coordenação motora, a concentração”, avalia Elisângela Rodrigues da Silva, 30, mãe de Maria Victória. A menina é tão apaixonada por bateria que em casa junta latas de leite vazias e fica batendo como se fosse instrumento percussivo. Apesar da pouca idade, Maria Victória descobriu um aplicativo que mostra figuras de instrumentos musicais e fica usando-os o tempo todo. “Ela tem gosto. Enquanto boa parte dos autistas não gosta de barulho, ela sempre gostou”, revela Elisângela Rodrigues. “A música tem ajudado na interação dela com outras crianças e deixou-a mais tranquila”.



Crescimento

Os pais dos pequenos autistas que preenchem o tempo com aulas de música são unânimes em atestar o desenvolvimento dos filhos ao tocar um instrumento. “Ele está se desenvolvendo mais, ficou mais falante, se organiza melhor”, conta Josefa Alves de Lima, 29, que se desloca cerca de nove quilômetros do Sítio Poço Grande, onde mora, até o centro de Carnaíba, onde a Escola de Música Maestro Israel Gomes está localizada. “A música tem sido um bom suporte para eles porque se socializam mais”, diz Josefa Alves, cuja fala é entrecortada pelo som que os autistas emitem com seus instrumentos musicais. É um som forte, vibrante, desconcertante mas que contagia pela maneira como é executado: sem ordem, sem cadência, sem técnica mas com um sentimento profundo de quem quer se fazer sentir.

Gosto pela música atravessa gerações
Para onde a gente se vira na Terra da Música escuta um som de instrumento. Foi assim, desde sempre, na casa dos irmãos Ramalho. Edson tocava sax e os gêmeos Eder e Elder, sanfona. Depois dos primeiros acordes na sanfona, os gêmeos descobriram que também sabiam cantar, foi quando surgiu a dupla Forró dos Gêmeos, por volta de 2004, quando os dois tinham 15 anos. Eles se apresentavam nas festas da região e chegaram até a ganhar dois festivais de música na vizinha Afogados da Ingazeira. A dupla existiu até 2017, quando Elder fez concurso para a polícia militar do Pará, passou, e deixou a música de lado. Sozinho, Eder partiu para ensinar sanfona na escola Israel Gomes e apresentar-se com bandas de forró da região. “A música é um alimento. Dá uma incerteza viver dela muito embora numa região como a nossa dá para viver relativamente bem porque sanfoneiro sempre é requisitado para os eventos”, pontua Eder Ramalho, 32.

Outro exemplo de fidelidade à música é demonstrado pelo barbeiro e agricultor Antônio de Pádua Lima, o Antônio de Gitirana, de 49 anos. Ele é o maestro da Filarmônica Santo Antônio, que existe desde 1917, e também é professor de teoria musical na Escola de Música Maestro Israel Gomes. A filarmônica é um dos seus xodós. Antônio conta que para mantê-la bota dinheiro até do próprio bolso, além de organizar rifas e bingos. Além de apresentar-se nas festas tradicionais do município e até nas procissões, quando toca um repertório composto por hinos, marchas e dobrados, a filarmônica conta com o projeto Música na Rua, apresentando-se em vários locais de Carnaíba.

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