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segunda-feira, 6 de janeiro de 2020

'Governo Bolsonaro se afastou do combate à corrupção', afirma Santos Cruz


Da BBC News Brasil em Brasília

Demitido do governo em junho, o ex-ministro da Secretaria de Governo general Carlos Alberto dos Santos Cruz hoje quer distância do presidente Jair Bolsonaro.

O militar da reserva pensa em se filiar a um partido político e disputar eleição no futuro - ainda não sabe por qual sigla e para qual cargo, mas tem certeza que não fará isso ao lado do seu antigo chefe.

Para ele, Bolsonaro deixou o PSL para criar uma nova sigla, a Aliança pelo Brasil, não por divergência ideológica, mas devido a disputas para controlar dinheiro dos fundos partidário e eleitoral.

"Eu não entraria em um partido hoje do presidente Bolsonaro de jeito nenhum. Ele tem valores que não coincidem com os meus; ele tem atitudes que eu acho que não têm cabimento", disse, em entrevista à BBC News Brasil.

Santos Cruz deixou o governo após sofrer uma onda de ataques nas redes sociais que teria sido orquestrada por um dos filhos do presidente, o vereador Carlos Bolsonaro (PSC-RJ). A campanha de difamação incluiu uma imagem, falsa segundo o general, de uma conversa dele com ataques ao governo.

"Uns criminosos vagabundos de baixo nível fazem aquilo, entregam para o presidente (a imagem forjada), incrivelmente ele acredita naquilo e incrivelmente ele até hoje se nega a dizer quem levou aquilo para ele. São coisas que não se pode esperar de uma autoridade que tem essa responsabilidade", afirma.

Desde então, o general retomou uma intensa agenda de viagens pelo Brasil e o exterior. Prestigiado internacionalmente após ter comandado a maior missão de paz da ONU (Organização das Nações Unidas), chefiando mais de 23 mil capacetes azuis na República Democrática do Congo entre 2013 e 2015, ele voltou a atuar junto à instituição que hoje é tachada de "globalista" pelo governo brasileiro.

O general conta que a política externa de Bolsonaro, marcada por uma "alinhamento automático" aos Estados Unidos, tem causado surpresa entre atores internacionais.

"É completamente ideológica (a política externa). Desde o discurso de posse do ministro das Relações Exteriores (Ernesto Araújo), quase transformando a Bíblia num plano de governo", critica.

Ao fazer um balanço do primeiro ano de Bolsonaro, Santos Cruz aponta incoerências com o discurso de campanha, marcado pela bandeira anticorrupção.

Na sua avaliação, o governo trouxe "desilusão para muita gente" nessa área, citando como exemplo pressões sobre o diretor da Polícia Federal, Maurício Valeixo, e o enfraquecimento do Coaf - órgão que foi rebatizado de Unidade de Inteligência Financeira e teve sua atuação limitada por quatro meses após o STF atender um recurso de outro filho do presidente, o senador Flávio Bolsonaro (Sem partido-RJ), investigado por suposto desvio de verba do seu antigo gabinete de deputado estadual.

O ex-ministro mostra mais otimismo com o governo na área econômica, mas diz que é preciso "prestar atenção pra não ficar só na matemática financeira", sem chegar nos mais desfavorecidos.

Questionado pela BBC News Brasil sobre declarações do presidente e seus filhos em apoio à Ditadura Militar (1964-1985), Santos Cruz diz que "é o tipo de manifestação completamente deslocada no tempo, infeliz". Ao contrário de Bolsonaro, ele não comemora a tortura e assassinatos políticos praticados pelo regime militar (são 434 entre mortos e desaparecidos), mas evita apontar os erros dos governos desse período e equipara os crimes de agentes do Estado aos dos grupos armados que militavam contra a ditadura.

"Essas deformações dos dois lados não podem acontecer de novo. Então, seja do Brilhante Ustra (coronel que comandou torturas) ou seja dos criminosos da esquerda, isso não pode acontecer novamente", rechaça.

"Não adianta ficar trazendo e discutindo coisas (do passado) pra um Brasil que hoje tem 12,5% de desempregados, que tem que fazer uma conciliação, que tem que parar com a divisão social, com os grupos extremistas que nós temos aí hoje", reforça.

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