Diário de Pernambuco
Eles chegam devagar, quietos, acompanhados pelos pais e vão
se deparando com os instrumentos musicais dispostos na ampla sala da Escola de
Música Maestro Israel Gomes, em Carnaíba, a 417 quilômetros do Recife. Maria
Victória Rodrigues de Medeiros, de quatro anos, vai até à bateria, pega as
baquetas e começa a emitir som bem alto. Daqui a pouco, o pequeno Ismael Alves
dos Santos, de cinco anos, e Pedro Henrique Clemente da Silva, de sete, também
começam a mexer nos instrumentos. Mais reservado, José Ednael Laurentino de
Moraes, de nove anos, fica sentado num canto do palco, absorto no seu próprio
mundo. Por último chega José Ícaro da Silva Tavares, de seis anos, portando uma
pequena sanfona. Pacientemente, o professor de bateria e percussão Francisco
Pereira de Carvalho, 38, o Sivuca, vai orientando cada um dos alunos autistas
que passou a ter desde as últimas férias escolares de julho. “É uma alegria
trabalhar com essas crianças. Sinto-me gratificado em poder ajudá-los. A gente
percebe o quanto a música é importante para eles”, analisa Francisco Carvalho.
Existem 20 autistas frequentando a rede escolar municipal de ensino de
Carnaíba. Desses, cinco estão matriculados no Complexo Educacional Governador
Miguel Arraes, uma das escolas de referência do município. O projeto de inserir
a música no cotidiano deles surgiu como necessidade de mantê-los com uma
atividade nas férias escolares. E deu certo. “A música tem sido fundamental no
desenvolvimento de cada um. Estimula os sentidos, a coordenação motora, a
concentração”, avalia Elisângela Rodrigues da Silva, 30, mãe de Maria Victória.
A menina é tão apaixonada por bateria que em casa junta latas de leite vazias e
fica batendo como se fosse instrumento percussivo. Apesar da pouca idade, Maria
Victória descobriu um aplicativo que mostra figuras de instrumentos musicais e
fica usando-os o tempo todo. “Ela tem gosto. Enquanto boa parte dos autistas
não gosta de barulho, ela sempre gostou”, revela Elisângela Rodrigues. “A
música tem ajudado na interação dela com outras crianças e deixou-a mais
tranquila”.
Crescimento
Os pais dos pequenos autistas que preenchem o tempo com
aulas de música são unânimes em atestar o desenvolvimento dos filhos ao tocar
um instrumento. “Ele está se desenvolvendo mais, ficou mais falante, se
organiza melhor”, conta Josefa Alves de Lima, 29, que se desloca cerca de nove
quilômetros do Sítio Poço Grande, onde mora, até o centro de Carnaíba, onde a
Escola de Música Maestro Israel Gomes está localizada. “A música tem sido um
bom suporte para eles porque se socializam mais”, diz Josefa Alves, cuja fala é
entrecortada pelo som que os autistas emitem com seus instrumentos musicais. É
um som forte, vibrante, desconcertante mas que contagia pela maneira como é
executado: sem ordem, sem cadência, sem técnica mas com um sentimento profundo
de quem quer se fazer sentir.
Gosto pela música atravessa gerações
Para onde a gente se vira na Terra da Música escuta um som de instrumento. Foi
assim, desde sempre, na casa dos irmãos Ramalho. Edson tocava sax e os gêmeos
Eder e Elder, sanfona. Depois dos primeiros acordes na sanfona, os gêmeos
descobriram que também sabiam cantar, foi quando surgiu a dupla Forró dos
Gêmeos, por volta de 2004, quando os dois tinham 15 anos. Eles se apresentavam
nas festas da região e chegaram até a ganhar dois festivais de música na
vizinha Afogados da Ingazeira. A dupla existiu até 2017, quando Elder fez
concurso para a polícia militar do Pará, passou, e deixou a música de lado.
Sozinho, Eder partiu para ensinar sanfona na escola Israel Gomes e
apresentar-se com bandas de forró da região. “A música é um alimento. Dá uma
incerteza viver dela muito embora numa região como a nossa dá para viver
relativamente bem porque sanfoneiro sempre é requisitado para os eventos”,
pontua Eder Ramalho, 32.
Outro exemplo de
fidelidade à música é demonstrado pelo barbeiro e agricultor Antônio de Pádua
Lima, o Antônio de Gitirana, de 49 anos. Ele é o maestro da Filarmônica Santo
Antônio, que existe desde 1917, e também é professor de teoria musical na
Escola de Música Maestro Israel Gomes. A filarmônica é um dos seus xodós.
Antônio conta que para mantê-la bota dinheiro até do próprio bolso, além de
organizar rifas e bingos. Além de apresentar-se nas festas tradicionais do
município e até nas procissões, quando toca um repertório composto por hinos,
marchas e dobrados, a filarmônica conta com o projeto Música na Rua,
apresentando-se em vários locais de Carnaíba.